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Do “Era uma vez” ao “E se...”: a necessidade do (re)encantamento desta geração pelo amor


Isabella Barbosa

Era uma vez uma jovem que amou com toda a sua alma alguém que não poderia, pois havia entre os seus a expectativa de que casaria com outro e, além disso, ela e seu amado pertenciam a famílias inimigas.  A despeito da oposição que decerto enfrentariam, decidem se casar e levam a termo esse plano. No entanto, após um terrível incidente que os condenaria à ausência do outro, ambos optam por abrir mão da própria vida a permanecerem separados.
Era uma vez uma jovem que amou um rapaz que conheceu durante umas férias, aparentemente um desses sentimentos sazonais que não resistem ao fim do verão, mas, ao partir, deixou para trás muito mais que lembranças e levou consigo muito mais que um mero sentimento, levou uma dúvida e um quê de esperança de que aquele seria seu amor de verdade. Até que cinquenta anos depois, impelida pela resposta a uma carta que escreveu naquele verão, resolve retornar ao ponto de partida, munida daquela dúvida e daquela esperança, reacendidas pela carta que lhe dizia: “E se...?”.
Era uma vez um jovem que vivia à procura de um amor verdadeiro, que pensou tê-lo achado num encontro adolescente, mas ao deparar-se com alguém que “por acaso” conheceu, percebeu a pequenez do sentimento primeiro, quando comparado àquele que acabara de experimentar. Exatamente dez anos após o encontro, e cinco de casamento, ele externa ser ela alguém que o completa existencialmente, que o fortalece e contribui para que seja quem é.
O primeiro “Era uma vez” diz respeito ao casal Romeu e Julieta, imortalizados pela adaptação de Shakespeare, escrita para o teatro no século XVI. A rivalidade das famílias às quais pertenciam, facções políticas da Itália do século XIII e XIV, era tão intensa que culminou na trágica morte dos jovens, que suplantaram as normas impostas de identidade e compromissos em nome do amor, morte esta redentora, pois refaz os laços entre as tais famílias.
O segundo “Era uma vez” também proveio da ficção e trata-se do par romântico do filme “Cartas para Julieta”, história de encontro que se passa no norte da Itália e que  se torna pano de fundo para o nascimento de mais uma história de amor.
E o terceiro? Ah, o terceiro “Era uma vez” não é ficção, mas é a síntese de uma história real que, como tantas outras, expressa que amor de verdade não existe apenas em peças de dramaturgia, mas pode fazer parte da vida real.
Vivemos em uma época de individualizações, de fragmentação de vínculos humanos, de hedonismo, de "cultura agorista", na qual estão em moda relacionamentos fugazes, descartáveis, marcados pelo consumo de prazer e de emoções. Esses relacionamentos têm origem nos encontros fortuitos, banais, nos quais o outro é apenas objeto para a satisfação pessoal. É uma época de licenciosidade, a qual permeia relacionamentos de tantos jovens e adolescentes, mas também de muitos adultos, que se permitem serem tomados como esse item de consumo, de satisfação de vontades e se entregam a relacionamentos sem compromisso, que duram não mais um verão, como nos filmes de Hollywood, mas se limitam a uma noite, ao tempo de uma transa, a uma “ficada”, uma “pegada”. É um tempo de descrédito, de fragilização do casamento, transformado em mero contrato que acaba quando convém a Narciso, que só se entrega realmente a ele mesmo.
Contudo, a despeito de tudo isso, tanto a ficção quanto a realidade de tantas histórias que vão pela contramão de nosso tempo testemunham que o amor existe, que é possível crer que há alguém nesse mundo com quem haverá de se desejar  estar  perto e de quem valerá a pena estar junto até que a morte separe. É possível crer que, sim, o amor existe! Mas, sua existência depende de não enxergar o outro? Seria o amor cego? As Escrituras oferecem luz para que entendamos o amor. Segundo 1 Coríntios 13, versículos 4-8(a), o verdadeiro amor é “paciente, é bondoso,  não arde em ciúmes, não se ufana, não se ensoberbece, não se conduz inconvenientemente, não se exaspera, não se ressente do mal, não se alegra com a injustiça, mas se alegra com a verdade, tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. O amor jamais acaba”.
Percebe-se que o texto carrega em si o seu contrário. O encontro pode gerar espera, ciúmes, orgulho, inconveniências, exasperações e assim por diante. E o amor a todo isso resiste e tudo isso nega.  Mas, certamente, há de se dizer: esse padrão é alto demais para um mero mortal, não há amor assim! Por certo, esse amor refere-se ao amor de Deus dirigido a nós e comprovado quando se tornou homem na pessoa de Jesus, assumindo a forma de servo e indo à cruz do calvário, na qual recebeu a culpa de nossos pecados e sofreu o juízo que merecíamos para, então, nos oferecer Seu perdão, nos redimindo, justificando e nos tornando Seus filhos, Seus amigos aos quais concede a viva esperança (de espera e de esperançar) do reencontro na eternidade. O texto refere-se ao padrão de amor, a um modelo perfeito que, por sua vez, não pode ser expresso em sua totalidade pelo ser humano, mas que nos indica sobre o que é preciso pensar quando tratarmos de seu significado.
Considerar as limitações do amor humano, torna possível crer em sua existência, pois, ao contrário do que se possa pensar, não se trata de algo perfeito ou de ser possível apenas pelo obscurantismo sobre o outro, mas, no mínimo, trata-se da ação de permanecer, de escolher estar unido, apesar dessa permanência poder gerar desencontros. Mas essa não é uma perspectiva difundida e/ou facilmente aceita hoje em dia.
E era uma vez uma geração[1] para a qual foi ensinada que a satisfação pessoal é a medida da relação amorosa e que o final dessa satisfação ou diante do aparecimento de um/uma “novidade” é indício de que é hora de cair fora, por vezes matando expectativas, descartando o ser humano. Era uma vez uma geração que não se dedica a administrar tensões, a buscar solucioná-las em favor da manutenção da relação, da superação de conflitos, para a construção duradoura e sólida de uma relação a dois, mas que opta pelo cálculo do menor esforço e escolhe o movimento em busca de uma nova oportunidade de felicidade inexplorada, até que esta também se desgaste e seja substituída. Para essa geração “a infelicidade é crime passível de punição, ou no mínimo um desvio pecaminoso que desqualifica seu portador como membro autêntico da sociedade”[2] (Como definir felicidade nesse contexto?). Era uma vez uma geração que negocia a segurança, a lucidez e o altruísmo na relação a dois para viver uma sucessão de experiências agradáveis, mesmo que implique em mais um tipo de relação de consumo. Era uma vez uma geração que não luta para construir seu final feliz, pois “viver o presente é mais importante”. Era uma vez uma geração que está desaprendendo a amar.
Inspirada  na  história  do  filme  citado no  início  do  texto,  gostaria de  sugerir a você, leitor/leitora que está vivendo conforme essa geração: “ E se...”. Para além da ficção, a história real retratada aqui é apenas uma dentre tantas outras que expressam a possibilidade de se viver um encontro que dure “até que a morte os separe”, basta ousar pensar que o “se” não é mera possibilidade.
Era uma vez alguém que pensou: “E se eu puder encontrar um amor de verdade?” E terminou construindo não só um final, mas uma vida feliz...  
Sua história pode ser escrita assim, se...







[1] Uso o termo geração num sentido generalizante, mas tenho ciência de que não se trata de questão etária somente.
[2] BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadoria. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. p. 61.

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