Vou tentar tecer este texto esquivando-me do discurso religioso, a fim de que fique claro que não se trata de religião, mas de cidadania. Ele é fruto do juízo de alguém que tem pasmado diante das incongruências com as quais tem se deparado.
Assistimos à crescente popularidade de uma música, ou simulacro de música, intitulada "DEU ONDA". Dentre outras pérolas, ela diz "Não preciso mais beber nem fumar maconha, que a sua presença me deu onda". Mas, o mais chocante são as expressões "Que vontade de fuder, garota" e, mais ainda, a degradante frase "Meu PAU te ama". A música nasce com essas famigeradas frases que foram, a posteriori, alteradas para "Que vontade de te ver, garota" e "O PAI te ama", a fim de soar menos impactante e, portanto, aceitável. Essa aceitação é corroborada, por exemplo, no fato de ter sido celebrada recentemente em um programa matutino diário, cuja apresentadora foi âncora do mais assistido telejornal do país. No programa, além do MC, autor e intérprete de Deu Onda, figuraram artistas e intelectuais que se limitaram a tratar do papel dos palavrões na vida comum.
Não é de impressionar que ela tenha caído no gosto de crianças e adolescentes, mais suscetíveis às questões sensoriais que às ponderações que a maturidade normalmente proporciona. Não é de estranhar que, alheios a reflexões morais, esse público se entregue ao ritmo e às sensações que a batida da música proporciona. No entanto, o que me faz pasmar é vê-la ser aceita, sem maiores contestações. Mas, ao mesmo tempo, lembro que muitos artistas e intelectuais optaram pelo relativismo e, para muitos, a ideia de transgressão assumiu caráter de ortodoxia. Contudo, o que ampliou minha indignação foi vê-la figurar, repetidas vezes, em eventos escolares.
Estando próximo de uma escola de Ensino Fundamental, pude constatar que esse era o hit preferido da comemoração do carnaval - agora já não sei se somente da galera jovem - já que era o que mais se repetia. Isso me levou a um estado de consternação. Lamentei por aquelas crianças e adolescentes, todos expostos a tamanha aberração travestida de cultura popular.
É possível que haja quem diga que estou sendo preconceituosa, que essa música(?) é mais uma manifestação da cultura das periferias e que, portanto, é perfeitamente legítima.
Mas, ponderemos: foi tão significativa a mudança na letra que causou a devida distância da carga semântica inicial? A mudança de "Meu PAU" para "O PAI", por exemplo, descola da música sua intenção primeira? É perceptível que a personificação do órgão sexual masculino traz em si o implícito de que se trata apenas de satisfação sexual do homem, pois não é ele que ama, mas seu pênis, some-se a isso, ainda, a "vontade" também expressa na letra. Se o pênis é quem ama, quando está satisfeito, é o bastante. A "amada" figura apenas como OBJETO desse desejo. Onde está nisso o amor?
Se crianças e adolescentes são estimulados a aceitarem essa falsa concepção de amor, que absurdo será a vida sentimental deles. Isso me faz lembrar de um artigo que li há alguns anos, intitulado "O sexo triste dos jovens", escrito por Lya Luft. Ela abordou muito bem os problemas que envolvem a sexualização da vida de jovens e adolescentes. Impelidos a praticarem sexo sem qualquer compromisso ou apego, são conduzidos a uma banalização de sua sexualidade. O apelo a esse comportamento os tem atingido cada vez mais cedo, diga-se, de passagem, as inúmeras músicas eróticas, cujo tema são as "novinhas", também bastante executadas e celebradas, muitas das quais as incitam a "descer até o chão", fazendo do movimento de seus corpos um espetáculo erótico para "novinhOs" e marmanjos.
É óbvio que as tais "novinhas" não se restringem apenas às meninas de 18 ou mais (Um cantor famoso do ramo da música sertaneja, em sua canção dedicada a esse enquadramento social, marcou bem os 18. A meu ver, uma ótima jogada para não correr o risco de ter que responder por isso).
Tem se tornado comum a superexposição de meninas - crianças e adolescentes, as quais, por meio de coreografias ou fotos, servem-se do erotismo como se estivessem se expondo em vitrines, lembrando, lamentavelmente, certas janelas holandesas.
Voltando a "Deu onda", desejaria mesmo que esse ajustezinho não tivesse sido feito. Como os formadores de opinião se comportariam, os artistas, intelectuais e educadores? Seria preconceito fechar as portas para ela? Aceitariam a celebração do "amor" peniano em programas de TV e nas festinhas de crianças e adolescentes?
Na ditadura do politicamente correto (agora me vem à mente Theodore Dalrymple), manifestações contrárias à cultura de massa são tachadas de preconceito, por isso poucos querem demonstrar oposição a elas. Preconceito tem soado ultimamente como um câncer social. Mas, destaco aqui minha indignação e meu protesto ante a tamanha deseducação e desserviço, cujo escopo é não só local, mas nacional.
Precisamos refletir a respeito. "É difícil, mas a gente precisaria inventar um movimento consciente, cuidadoso, responsável, contra essa onda sombria que quer transformar nossas crianças em duendes pornográficos, deixando feias cicatrizes, e fechando-lhes boa parte do caminho do crescimento e do aprendizado amoroso", diz Lya Luft no artigo supracitado.
Penso que, como cidadãos, temos almejado a construção de uma sociedade que se paute pelo respeito, pela valorização e dignidade de seus sujeitos - homens e mulheres, jovens, adolescentes e crianças. Mas em situações como as descritas aqui, fica evidente a enorme e inegável incoerência.
Estou errada? No tocante a "Deu onda", estarei se for real que a mudança do "U" para "I" conseguiu fazer milagres. Mas, não sou crédula e esse ponto.
Assistimos à crescente popularidade de uma música, ou simulacro de música, intitulada "DEU ONDA". Dentre outras pérolas, ela diz "Não preciso mais beber nem fumar maconha, que a sua presença me deu onda". Mas, o mais chocante são as expressões "Que vontade de fuder, garota" e, mais ainda, a degradante frase "Meu PAU te ama". A música nasce com essas famigeradas frases que foram, a posteriori, alteradas para "Que vontade de te ver, garota" e "O PAI te ama", a fim de soar menos impactante e, portanto, aceitável. Essa aceitação é corroborada, por exemplo, no fato de ter sido celebrada recentemente em um programa matutino diário, cuja apresentadora foi âncora do mais assistido telejornal do país. No programa, além do MC, autor e intérprete de Deu Onda, figuraram artistas e intelectuais que se limitaram a tratar do papel dos palavrões na vida comum.
Não é de impressionar que ela tenha caído no gosto de crianças e adolescentes, mais suscetíveis às questões sensoriais que às ponderações que a maturidade normalmente proporciona. Não é de estranhar que, alheios a reflexões morais, esse público se entregue ao ritmo e às sensações que a batida da música proporciona. No entanto, o que me faz pasmar é vê-la ser aceita, sem maiores contestações. Mas, ao mesmo tempo, lembro que muitos artistas e intelectuais optaram pelo relativismo e, para muitos, a ideia de transgressão assumiu caráter de ortodoxia. Contudo, o que ampliou minha indignação foi vê-la figurar, repetidas vezes, em eventos escolares.
Estando próximo de uma escola de Ensino Fundamental, pude constatar que esse era o hit preferido da comemoração do carnaval - agora já não sei se somente da galera jovem - já que era o que mais se repetia. Isso me levou a um estado de consternação. Lamentei por aquelas crianças e adolescentes, todos expostos a tamanha aberração travestida de cultura popular.
É possível que haja quem diga que estou sendo preconceituosa, que essa música(?) é mais uma manifestação da cultura das periferias e que, portanto, é perfeitamente legítima.
Mas, ponderemos: foi tão significativa a mudança na letra que causou a devida distância da carga semântica inicial? A mudança de "Meu PAU" para "O PAI", por exemplo, descola da música sua intenção primeira? É perceptível que a personificação do órgão sexual masculino traz em si o implícito de que se trata apenas de satisfação sexual do homem, pois não é ele que ama, mas seu pênis, some-se a isso, ainda, a "vontade" também expressa na letra. Se o pênis é quem ama, quando está satisfeito, é o bastante. A "amada" figura apenas como OBJETO desse desejo. Onde está nisso o amor?
Se crianças e adolescentes são estimulados a aceitarem essa falsa concepção de amor, que absurdo será a vida sentimental deles. Isso me faz lembrar de um artigo que li há alguns anos, intitulado "O sexo triste dos jovens", escrito por Lya Luft. Ela abordou muito bem os problemas que envolvem a sexualização da vida de jovens e adolescentes. Impelidos a praticarem sexo sem qualquer compromisso ou apego, são conduzidos a uma banalização de sua sexualidade. O apelo a esse comportamento os tem atingido cada vez mais cedo, diga-se, de passagem, as inúmeras músicas eróticas, cujo tema são as "novinhas", também bastante executadas e celebradas, muitas das quais as incitam a "descer até o chão", fazendo do movimento de seus corpos um espetáculo erótico para "novinhOs" e marmanjos.
É óbvio que as tais "novinhas" não se restringem apenas às meninas de 18 ou mais (Um cantor famoso do ramo da música sertaneja, em sua canção dedicada a esse enquadramento social, marcou bem os 18. A meu ver, uma ótima jogada para não correr o risco de ter que responder por isso).
Tem se tornado comum a superexposição de meninas - crianças e adolescentes, as quais, por meio de coreografias ou fotos, servem-se do erotismo como se estivessem se expondo em vitrines, lembrando, lamentavelmente, certas janelas holandesas.
Voltando a "Deu onda", desejaria mesmo que esse ajustezinho não tivesse sido feito. Como os formadores de opinião se comportariam, os artistas, intelectuais e educadores? Seria preconceito fechar as portas para ela? Aceitariam a celebração do "amor" peniano em programas de TV e nas festinhas de crianças e adolescentes?
Na ditadura do politicamente correto (agora me vem à mente Theodore Dalrymple), manifestações contrárias à cultura de massa são tachadas de preconceito, por isso poucos querem demonstrar oposição a elas. Preconceito tem soado ultimamente como um câncer social. Mas, destaco aqui minha indignação e meu protesto ante a tamanha deseducação e desserviço, cujo escopo é não só local, mas nacional.
Precisamos refletir a respeito. "É difícil, mas a gente precisaria inventar um movimento consciente, cuidadoso, responsável, contra essa onda sombria que quer transformar nossas crianças em duendes pornográficos, deixando feias cicatrizes, e fechando-lhes boa parte do caminho do crescimento e do aprendizado amoroso", diz Lya Luft no artigo supracitado.
Estou errada? No tocante a "Deu onda", estarei se for real que a mudança do "U" para "I" conseguiu fazer milagres. Mas, não sou crédula e esse ponto.
Muito bom!Uma LUZ no fim do túnel...
ResponderExcluirMuito bem Isabela, compartilho do seu pensamento.
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirÓtimo texto! Concordo plenamente.
ResponderExcluirApós ler a matéria, sem demagogia e sem esperar nada de pensamentos alheios, pus-me de pé para aplaudir palavras inteligentíssimas ao expor sua opinião que concordo em todos os gêneros. Isabella, compactuo da sua indignação e faço (permita-me) minhas, às suas palavras.
ResponderExcluirArrasou, tapa de luva na sociedade. Vou compartilhar 👏👏👏👏
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