Isabella Barbosa
“Não preciso, mas quero!”, diz a propaganda recente de uma
marca de cosméticos, na qual aparecem rostos bem distintos uns dos outros, que
se revezam na repetição de tal frase. Dentre eles, um, familiar, o de uma famosa
modelo, que chama a atenção para a mensagem que supostamente exalta a
diversidade e o “girl power”, mas
que, no fundo, quer conduzir “mulheres empoderadas” e conscientes de seus
desejos a renderem-se à marca.
É cada vez mais comum, discursos de distintas naturezas –
advindos do marketing, da filosofia, religião, arte - que exaltam a vontade da
vontade, o apetite da alma, o elã revolucionário que põe em relevo uma dada noção
de liberdade. Tomando como referência o “cogito”
de Descarte, é possível afirmar que Quero,
logo existo é uma síntese desse discurso. E se você existe/é, você pode! Desta
feita, o poder se concretiza na prática dos desejos e muitos estão encantados
com tudo isso. Assim, abrem as almas às vontades[1]
e deixam-se bailar, permitem que elas conduzam o ritmo de seus sins e nãos.
Nesse deleite, nesse êxtase pela vontade, são enlevados a tal
ponto que a realidade não mais importa. “Importa o que eu quero, o que digo
sobre mim mesmo(a)”, ainda que isso deságue numa reelaboração fantasiosa do que
é tangente. Importa o que resulta discursivamente da tessitura e da prática dos
desejos; o que é (re)afirmado, contundentemente, como se a linguagem fosse
suficiente para a emergência de uma realidade autoral. Como se fossem Deus,
pretendem criar o que almejam, servindo-se apenas da palavra, da afirmação,
como se emanassem a potência do logos
e dizer fosse o bastante. Por conseguinte, seguem a dança e passam a se definir
por suas disposições mentais, optando por identidades fluidas, por designações
líquidas[2]
de si mesmos. Assim, “já não importa quem sou”. É preciso ser o que o Desejo quer!
Mas, ponderando... Nesse afã de liberdade, governa-se o Desejo
ou ele governa? Ser livre é dizer “Sim” aos ímpetos, às inclinações que permeiam
a mente aberta à excitação? Dizer “Não” é cercear liberdades? E nas escolhas, é
o ser que tem a palavra ou é o Desejo falseando sua voz? E mais: há consciência
do para onde o Desejo levará? Depois de satisfeita a vontade, tem-se o controle?
Ou ela retorna e volta a ditar o ritmo, o compasso de quem o ser se tornará?
Tais perguntas não podem ser respondidas sem que haja um
parâmetro que sirva de apoio para “medir” as escolhas, para avaliá-las. Caso
não haja definidos limites, não é possível reconhecer fronteiras ou itinerários,
restará apenas a estrada e sem rota definida. Trata-se de lançar a vida à sorte
e aguardar o que o destino trará, até à descoberta de que “destino” é o nome
dado ao futuro moldado pelas escolhas feitas, inevitavelmente. E, finalmente,
constata-se o que diz a Bíblia: “Não se deixem enganar: de Deus não se zomba.
Pois aquilo que o homem semear, isso ele ceifará” (Gálatas 6.7). O “destino”
normalmente é o eco de cada “Sim” e “Não” dado como resposta ao longo da vida.
Com essa máxima, o Criador alerta: as histórias e as identidades,
a serem devidamente construídas, devem sobrepujar os apetites. Do contrário, se
estará suscetível àquela mesma voz, surgida no primeiro Jardim, mas que ecoa pelos
séculos e continua sussurrando, docemente, algo como: “Não é assim conforme Ele
diz. Se você der vazão aos desejos, você será livre!”.
Ceder a tal voz é abrir-se à idolatria da vontade e esta é
insaciável. O senhor de si mesmo normalmente faz emergir o leviatã que habita em
cada um. Se o monstro for alimentado, devorará o seu hospedeiro, enquanto este
tenta se reinventar, vestindo-se de tantas identidades quanto o Desejo pretender.
E no percurso, vai cedendo àquele tipo de voz que incita ao “Não preciso, mas
quero!”, e se deixa conduzir pela mão, num insano devaneio de que é livre.
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