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No meio do caminho havia um menino... e abriu os meus olhos

Por Isabella Barbosa

Há tempo vinha me inquietando e, por isso, pensando, refletindo, buscando respostas para a relação escola e tecnologia, mais especificamente alunos conectados e sala de aula. Muitos são os termos usados para nominá-los: nativos digitais, Homo Zappiens, geração digital, geração de rede, cybergeração, geração instantânea, geração Y, Z, todos expressam a relação desse público com as tecnologias da informação e da comunicação. O discurso vigente, pelo menos em destaque na agenda de muitos encontros sobre educação, é a adaptação da escola a tal realidade. Alunos conectados - multitarefas, que pensam hipertextualmente, que não suportam discursos lineares e hierarquização do conhecimento - requerem escolas atualizadas, cujo fazer pedagógico seja mediado pelas mídias digitais, imprescindíveis para a construção do conhecimento nesse contexto. É preciso tecnologizar as escolas... indistintamente?!
 Bem, uma cena me fez repensar a prioridade de minhas inquietações. Ao chegar em casa há poucos dias, me deparei com um menino de, mais ou menos, 10 anos,  sujo, maltrapilho, acompanhado por outro garoto em igual condição, que aparentava ter uns 4 anos. Ambos estavam tentando “acessar” meu lixo, precisamente uma sacola que estava sob tantas outras. Ao ver minha aproximação, informou: “Não vou mexer nessa, não, viu? Só quero essa de baixo!”. E perguntei: “Mas, por quê? O que você quer aí?”. A resposta  foi estarrecedora e quase me petrificou: “Livro! Eu tô vendo que tem livro aqui e eu tô tentando pegar”. “Mas, por que você quer livro do lixo? Está estragado.”, falei em tom de surpresa, mas já imaginando o que viria como resposta. “Porque eu gosto de ler e não tenho livro...”, respondeu. Quase não acreditei no que ouvia e via... 
Em um tempo em que se fala de adaptar a escola à geração conectada, como se TODOS estivessem nessa condição, como se todas as escolas fossem constituídas por estudantes hi-techs, há crianças, inúmeras, alijadas não só desse contexto, mas para as quais é negada condição de vida digna, o cuidado que lhe confira a oportunidade de crescer e se desenvolver de forma plena, saudável. Para tais crianças é negado o direito a seus direitos.  E mesmo assim, a despeito de toda essas ausências, há dentre elas quem busque no meio a que tem acesso, o lixo, a tecnologia que lhe conecta a outros tantos mundos, o livro.
Diante disso, aquela inquietação que ocupava espaço privilegiado em meus pensamentos, cedeu lugar a outra mais desafiadora ainda, pois no meio do caminho havia um menino que, em busca de dirigir seus olhos para encontrar o contentamento no livro, abriu,  inesperadamente, os meus.


 


Comentários

  1. Excelente texto e história comovente. Quizá possamos cumprir o desejo dessas crianças semeando livros que lhes criem caminhos para além da realidade em que estão postas.
    Parabéns, amiga, pela sensibilidade!

    Sirlande do Carmo

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  2. Affff, arrepiei aqui. Parece um conto, de tão emocionante.
    Eu ficaria em transe diante dessa experiência.
    Você foi privilegiada!
    Ah, e esse pensamento sobre adaptação da escola à maré tecnológica (da igreja também) também me assalta diariamente.

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